O episódio de Polifemo

   No episódio de Polifemo, constante no Livro XIII de Metamorfoses, de Ovídio, Galateia narra a Cila como conseguiu escapar da paixão de Polifemo.  Este ciclope, filho de Posídon e da ninfa Teosa, habitava uma escura caverna, nas imediações do vulcão Etna, na Sicília. Na versão de Ovídio, Polifemo apaixonou-se pela nereida Galateia, mas esta estava enamorada por Ácis, um jovem pastor filho de Fauno e da  ninfa Simétis. Isto não impediu que o gigante perseverasse nas suas tentativas de a conquistar. Ele começou a negligenciar os seus rebanhos de ovelha, mais preocupado em melhorar a sua aparência selvagem, por forma a tornar-se atraente. Rapou a barba rija com um podão e penteou a cabeleira desgrenhada com um ancinho, tentando adquirir uma aparência mais agradável.
    Podemos considerar este episódio como uma “paródia do género bucólico […], com a sua desajeitada declaração de amor por Galateia” [ALBERTO 2018; 22] Num jeito tragicómico, Ovídio coloca o gigante a tocar flauta e a cantar, num promontório isolado sobre o mar. No seu canto, começa por descrever a beleza da sua amada e suas virtudes, mas acaba por a comparar com um requeijão. De seguida denigre Galateia,  referindo alguns dos seus defeitos. Prossegue oferecendo vários presentes toscos: rebanhos, leite, queijo, diversos frutos, todas as suas posses. O monstro tenta valorizar-se, apresentando os seus atributos da melhor forma possível. Já sem argumentos, ameaça esquartejar Ácis e espalhar os seus membros pelos campos e pelas ondas do mar. Após se lamentar em vão, Polifemo vaguea pelos bosques, onde avista Galateia e Ácis, num encontro amoroso. Perante o ciclope enraivecido, Galateia refugia-se nas águas vizinhas, enquanto o herói Ácis volta as costas e tenta fugir. Mas Polifemo, com ciúmes, arranca um pedaço da montanha e atira-a sobre Ácis, esmagando-o. O seu sangue escorre por debaixo do rochedo, acabando por se  transformar num rio.
    Ovídio foi “um extraordinário ‘pintor de cenários’ e a descrições dos palcos onde as personagens evoluem tornaram-se modelares e inspiraram profusamente as artes plásticas.” [ALBERTO 2018; 26] Ao longo dos séculos, a obra Metamorfoses foi utilizada como referência na produção de imensas obras  artísticas, sejam literárias, plásticas ou musicais. Entre os diversos episódios que foram tratados, por vários autores, também se inclui o episódio aqui abordado, o de Polifemo ou o amor entre Galateia e Ácis.
    Num quadro pintado por Pompeo Batoni (1708-1787), podemos ver retratado este episódio. Batoni foi um pintor italiano que se inspirou na antiguidade clássica, sendo considerado um dos percursores do neoclacissismo. O quadro que referimos (na figura ao lado) denomina-se “Ácis e Galateia” (1761), e encontra-se exposto no Museu Nacional, em Estocolmo, na Suécia. Neste quadro podemos ver três figuras, num cenário natural. Do lado esquerdo, ergue-se o gigante Polifemo, de barba e cabeleira desgrenhada. No chão a seus pés, a flauta de Pã com que acabara de tocar e cantar os seus amores por Galateia. Ele ergue um enorme rochedo sobre a cabeça. Cheio de ciume, pretende arremessá-lo sobre Ácis, que foge quase tropeçando em Galateia. Estes, tentam-se proteger da ferocidade do gigante ciclope. A vegetação e os rochedos enquadram um ambiente bucólico. Ao fundo, o mar próximo refere as praias perto das quais decorre o episódio.

Ovídio e Batoni, utilizaram o mesmo modelo mitológico grego,  descrevendo-o de uma forma  muito realista. Por um lado, Batoni era um mestre na arte figurativa. Através do desenho e da pintura, foi capaz de representar cenários e figuras com grande minúcia e precisão. Quando observamos o quadro aqui referido, pensamos estar perante um episódio real, num acontecimento que os seus pincéis capturaram. Batoni representa-o como uma cena credível, num cenário pastoral, algures na natureza entre a montanha e o mar. As personagens são figuras bastante humanas. Por outro lado, Ovídio foi um mestre na arte de descrever. Quando lemos as Metamorfoses, esta obra consegue transportar-nos para locais e situações que parecemos reconhecer. Lugares, acontecimentos e personagens que realmente existiram, são descritos com precioso detalhe. Como refere Paulo Farmhouse Alberto, “Ovídio estabelece com o leitor um permanente jogo entre ficção e realidade. As personagens podem pertencer ao universo do imaginário, serem deuses, ninfas, sátiros, seres monstruosos [mas] os lugares são reais, de todos os dias, que os leitores conheciam ao menos de ouvir falar, e criam um ambiente estranho entre imaginação e realidade.” [ALBERTO 2018; 21]

Bibliografia:
 
OVÍDIO, ‘Metamorfoses’, (tradução e introdução de Paulo Farmhouse Alberto), Lisboa, Livros Cotovia, 2018 

Imagem:
 
Título: Ácis e Galateia
Autor: Pompeo Batoni
Dimensão: 98,5 cm x 75 cm
Técnica: Óleo sobre Tela
Link: http://www.the-athenaeum.org/art/detail.php?ID=172961


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