O Realismo, enquanto movimento artístico, desenvolveu-se após a Revolução Francesa de 1848, e define-se pelo modo como a realidade é apresentada, incluindo tanto a dimensão crítica como a dissonância estética. Como colocou Theodor Fontane, ao ”realismo não […] lhe interessa o que é meramente apreensível, o que lhe importa é o verdadeiro” (O Realismo na Arte, 1853). Assim, os realistas procuraram a verdade no mundo quotidiano: preferindo o real ao ideal, eles descreveram e caracterizaram com minucioso detalhe as linhas de força essenciais do mundo.
O Realismo está intimamente ligado à camada burguesa de uma sociedade crescentemente massificada e materialista, que encarou a cultura como um objecto que a permitia afirmar-se socialmente. Foi neste contexto que o movimento procurou problematizar e ilustrar os conflitos que ocorriam entre a nova sociedade burguesa e o individuo.
O movimento realista inspirou diversos artistas, nomeadamente a “Escola de Barbizon”, um grupo de artistas que se reuniu naquela aldeia francesa para observar a natureza e seguir o programa de Constable. Um desses artistas, Jean-Francois Millet (1814-75), decidiu estender o programa das paisagens às figuras humanas, e pintou diversas cenas da vida camponesa.
Quase uma década havia passado após a Revolução Francesa, quando o quadro “As Respigadoiras”, de Millet, foi recebido por um público hóstil no Salão de Paris, em 1857. Com este episódio, podemos perceber a reacção pública à contestação do movimento realista, quando estes recusavam as convenções artísticas que haviam dominado no final do sec. XVIII, rejeitando tanto o idealismo Clássico como o exotismo do Romantismo. Os artistas do movimento realista procuravam seguir apenas a sua consciência estética, quando proclamavam o valor da intransigente sinceridade artística.
“As respigadoiras”, de Jean-François Millet, 1857 (Óleo sobre tela) |
No quadro “As Respigadoiras” não encontramos figuras dramáticas, heróicas ou mitológicas. Ele não aborda nenhum tema clássico, não ilustra nenhuma actividade nobre, não refere qualquer aristocrata. Também não desenvolve figuras grotescas nem representa ruínas, como no Romantismo. No quadro de Millet observamos a actividade repetitiva de três mulheres modeladas em contornos simples mas firmes. Tratam-se de camponesas, sólidas e robustas, absorvidas no seu trabalho pesado sobre um campo raso banhado pelo sol.
Foi desta forma que, durante o século XIX, os artistas do Realismo conferiram dignidade estética ao mundo real da vida quotidiana. Os artistas do Realismo esforçaram-se por obter um compromisso entre a representação da vida e o trabalho estético. Ensaiaram novas técnicas estilísticas, tentando unir o particular ao universal, sem atraiçoar o principio sintético da arte e respeitando o ideal da totalidade. Os artistas deste movimento procuraram representar a vida mundana em todos os seus aspectos, sem artificialidade mas com detalhe preciso. Neste sentido, o quadro de Millet torna-se exemplar, ao abordar a luta pela sobrevivência das três camponesas ao respigar os campos.
O Realismo estético não foi comum a todas as formas artística. Sendo especialmente literário, não existiu com essa nomenclatura na música, por exemplo. O Realismo privilegiou o romance, que era indicado para representar a poesia da vida moderna. Com as transformações que se haviam operado na Imprensa, os autores conquistaram o estatuto de escritores independentes, com influência sobre um vasto público. O romance foi uma resposta do escritor à sua situação perante a sociedade burguesa, e ilustrava a relação conflituosa entre o individuo e a sociedade.
No romance, a amplidão do espaço caracterizado permite a representação social, em conexão com o tempo histórico das personagens que nele habitam. Em conjunto com a acção, o tempo é um factor determinante da narrativa. Os espaços são extensivamente detalhados, e as personagens são caracterizadas em respeito pela sua linha de motivação, através de aprofundamento psicológico. Elas apresentam-se multifacetadas, moralmente ambíguas, totalmente humanas.
O romance teve uma lenta evolução e consolidação, mas também se revelou com grande capacidade de rejuvenescimento e de renovação temática. Se no Romantismo, a narrativa romanesca assimilara diversos géneros literários, no século XIX do Realismo, o romance aspirou à exactidão do estudo científico dos temperamentos individuais e dos meios sociais. De mera narrativa de entretenimento, o romance transformou-se em estudo da alma humana e das relações sociais.
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