A sociedade resultante da segunda metade do sec. XX vive num mundo onde factos e ficção se entrelaçam, onde as características produtivas se modificaram de forma inimaginável, onde a base teórica de suporte, a sua tradição, se alienou, ou, pelo menos, parece ter perdido valor. Nesta perspectiva, numa sociedade pós-industrial que se realiza na era dos media e da cibercultura, onde a informação se confunde com o ruído, parece natural que o indivíduo se sinta perdido, deslocado, traído, uma vez que se encontra submerso por mensagens díspares e incongruentes, sentindo-se impotente pela contínua e veloz mudança das condições de vida, da mutação vertiginosa das estruturas sociais e culturais, que o deveriam sustentar mas que parecem sufocá-lo.
Num extenso período histórico anterior, nessa modernidade baseada no racionalismo iluminista que se desenvolveu desde o Renascimento, perseguiu-se uma verdade universal, um conjunto de valores sustentados pela razão que estabeleceram não só a moral vigente, mas que edificaram a própria sociedade, a sua cultura e a sua história. Princípios comuns aplicados indiscriminadamente guiaram a comunidade, as famílias e os indivíduos, organizando as suas relações e vivências. Estabeleceram-se (meta)narrativas que distinguiam a ordem do caos, discursos que preservaram certa espécie de poder contra todo e qualquer tipo de desvio à norma. Na senda do progresso e convictos da capacidade insuperável da razão humana, assistimos ao desenvolvimento de uma sociedade industrial e do capitalismo a ela associado, que prometeu libertar o ser humano das suas condições medievais mas que resultou no sofrimento das Grandes Guerras Mundiais e no horror de Auschwitz e dos restantes campos de concentração.
Seguiu-se um período de revoltas sociais que lutaram por liberdade e independência, pela descolonização e pela emancipação da mulher. Nos anos 60 do século passado, os movimentos artísticos, saturados do mecanicismo e funcionalismo do Modernismo, corrente artística da primeira metade do século, reagiram com um formalismo livre e descontraído, incorporando elementos históricos e tradicionais no design dos seus edifícios. Aquilo que começou com a arquitectura (por exemplo, com as obras de Philip Johnson ou Renzo Piano) extravasou para outras expressões artísticas, como a literatura (Kurt Vonnegut) ou a música (Michael Nyman). O termo pós-moderno impôs-se e foi apropriado pela academia, já na década de 70, principalmente pelos pensadores franceses, como Lyotard, que definia pós-moderno como uma “incredulidade face às meta-narrativas”.
A metanarrative is the story an ideology tells itself—an ideology of ideologies. It’s the “big picture” story that a mode of thinking, a theory, a worldview maintains to explain and legitimate its operations.
(KLAGES, p.158)
Os filósofos pós-modernos colocam em causa as «meta-narrativas», pois consideram-nas fabricadas por discursos de poder que impõem uma verdade e visão de mundo particular. Ora, vários pós-modernistas negam a existência de realidades objectivas, de verdades absolutas e universais. Argumentam que estas são sempre parciais, dependente do contexto histórico e social em que são “construídas”. Questionam, assim, uma história unificada, global e completa sobre tudo o que existe. Para eles, “These ‘metanarratives’ [‘super-narratives’], which purport to explain and reassure, are really illusions, fostered in order to smother difference, opposition, and plurality.” (BARRY, p. 127) Podemos considerar o pós-modernismo como a crítica às «meta-narrativas», “the awareness that such narratives serve to mask the contradictions and instabilities that are inherent in any social organization or practice.” (KLAGES, p. 159)
Os pensadores pós-modernos negam a existência de qualquer verdade universal e não aceitam que exista apenas uma mundividência. A realidade, tal como o conhecimento, é fragmentada e plural, perspectivada por quem a experiência. Existem diferentes formas de ser e de saber. Maria Laura Pires (p. 93) afirma que “apenas podemos conhecer a nossa experiência pessoal e a nossa interpretação dessa experiência.” Para além disso, os pensadores pós-modernos “defendem a multiplicidade, a pluralidade, a fragmentação e a indeterminação. Abandonam ainda a noção de sujeito racional e unificado […] a favor de um sujeito fragmentado e social e linguisticamente descentrado.” (PIRES, p. 95)
Como constata Peter Barry (p. 127), “as ‘Grandes Narrativas’ de progresso e perfeccionismo humano já não são sustentáveis, pelo que apenas podemos pretender uma série de ‘mini-narrativas’ provisórias, contingentes, temporárias, e relativas e que sirvam de base para a acção de grupos específicos em circunstâncias locais particulares.” Estas narrativas, mais pequenas, são estórias que explicitam pequenas prácticas, eventos locais, em vez de conceitos de grande-escala, universais ou globais. Para Mary Klages (p.159), estas “ ‘mini-narrativas’ pós-modernas são sempre situacionais, provisórias, contingentes e temporárias, não reivindicando universalidade, verdade, razão ou estabilidade.”
Vivemos num mundo que já não suporta grandes narrativas e modelos universais, de pensamento e comportamento, antes fragmentado em saberes e significados, valorizando as especificidades locais e as liberdades individuais. É compreensível que as pessoas se sintam assustadas e perdidas nos seus referenciais costumeiros, que procurem verdades únicas e prácticas globais, que desejem uma visão dualista de ordem-caos. Sentem o seu mundo dilacerado e questionam as múltiplas opções. No entanto:
For the postmodernist, by contrast, fragmentation is an exhilarating, liberating phenomenon, symptomatic of our escape from the claustrophobic embrace of fixed systems of belief. In a word, the modernist laments fragmentation while the postmodernist celebrates it.
(BARRY, p. 123)
BIBLIOGRAFIA:
- Barry, P. (2017). Beginning theory: An introduction to literary and cultural theory (4th Edition – ebook, edição do Kindle). Manchester University Press. https://www.amazon.co.uk/gp/product/B07WFQ466H
- Klages, M. (2017). Literary Theory: The Complete Guide (2nd Edition – ebook, edição do Kindle). Bloomsbury Publishing. https://www.amazon.co.uk/gp/product/B01NAHM5A8
- Pires, M.L.B. (2006). Teorias da Cultura (2ª edição). Universidade Católica Editora.
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