Dos maus-tratos a animais

Os animais são seres vivos que respiram, movem-se de forma autónoma e possuem um sistema nervoso que os permite interagir com o meio ambiente. Os seres humanos distinguem-se, em especial, pela sua capacidade de comunicar, por possuírem uma linguagem. Para além disso são capazes de manipular objetos, fazendo uso dos seus polegares, e conseguem raciocinar, tendo desenvolvido processos cognitivos complexos. Todos os seres vivos, humanos e não-humanos, coabitam no seu meio próprio, seja mais ou menos natural, em relações de maior ou menor proximidade, garantindo-lhes diferentes graus de segurança.

Esta coexistência não é pacífica, logo à partida por muitos dos animais pertencerem à cadeia alimentar tradicional do ser humano. Acresce que o processo expansionista da civilização tem degradado o meio ambiente e levado à extinção subsequente de inúmeras formas de vida. Existem, no entanto, algumas variedades que foram domesticadas e que viram consagrado o seu papel de companhia, convivendo e criando laços fortes e duradoiros com elementos da espécie humana.

A sociedade, numa tomada de consciência ecológica e ao aceitar a condição senciente dos animais, desenvolveu ferramentas jurídicas que pretendem criminalizar e erradicar o contínuo abuso e violência a que estes, por vezes, são sujeitos. Parte-se do princípio que, se eles são capazes de sentir, não é legítimo infligir-lhes dor, devendo as pessoas que a provocam ser punidas de acordo. Neste sentido, foram implantadas medidas de proteção, com legislação incluída na regulação de diversos países, nomeadamente em território nacional. Desde 2015 que o abandono e maus-tratos a animais de companhia é considerado crime à luz da lei portuguesa.

Contudo a sua aplicação não tem sido fácil. Recursos por parte de condenados têm obtido parecer favorável do Tribunal Constitucional. Os Juízes desta instituição consideram que criminalizar tais práticas é uma medida excessiva e desproporcionada. Alegam que a defesa dos animais não é equiparável a situações como a proteção da vida, da integridade física ou do património das pessoas. Por isso, a crueldade dirigida às criaturas não deve ter penas tão pesadas, sendo suficiente a aplicação de coimas.

Para ultrapassar esta situação, surgiu, no seio da sociedade portuguesa, um movimento que pede a inclusão explícita da proteção animal na Constituição. Tal permitiria consagrar um estatuto digno aos nossos companheiros domésticos e defendê-los, dissuadindo aqueles que normalmente os sujeitam a violência desnecessária. Cabe à restante comunidade ponderar sobre este assunto e ajuizar quais as ações necessárias a tomar, para tornar Portugal um país ainda mais civilizado e ecologicamente harmonioso.


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Comentários

Um comentário a “Dos maus-tratos a animais”

  1. Avatar de O Filipe
    O Filipe

    Este tema é interessante, tocante e difícil. A par de questões jurídicas, suscita interrogações éticas. Os animais são dignos de consideração moral? Se sim, todos ou só alguns? Quais devem ser protegidos? Os sencientes apenas? Os úteis? Os que têm mais impacto direto na vida duma sociedade? É legítima a experimentação animal? Para que fins? Que tipos e subtipos de exploração são admissíveis? Alimentação? Trabalho? Divertimento? Terapia? Para além deste nível de questionamento, há quem acredite fazer sentido falar de pessoas não humanas em relação a animais sencientes? Será que há animais não sencientes? E será que faz sentido falar, em sentido análogo ao usado com a palavra racismo, de especismo?
    São tudo questões pesadas, que muitos filósofos adoram. Mas, no fundo, aquilo que conta, em termos de escolhas e atos, não são principalmente as leis nem as elaborações filosóficas e intelectuais, mas sim a sensibilidade, o que cada um sente. São os animais objetos ou membros duma família mais ampla em que cada indivíduo se reconhece um bocadinho nos outros, sente horror pela crueldade e procura, tanto quanto possível, evitar provocar sofrimento. Isso mede-se, por exemplo, pelomaior, ou menor, ou nenhum cuidado com que se anda, em noites primaveris de chuva, quando os caracóis arrebitam e vêm aos bandos para os passeios.

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