A ideia da Arte Conceptual

A noção de belo impôs-se por todo o período clássico da história da arte ocidental. Tratava-se de um ideal a que aspiravam as formas de arte praticadas desde os Gregos e Romanos. Para o atingir, o principal modelo a imitar seria a Natureza. Fazia-se uso da razão para descortinar e descrever o Universo. Não existia uma distinção entre artesanato e arte, e os modelos e as técnicas passavam de mestre para pupilo. A partir da Renascença, começou-se a reconhecer a estreita relação entre a emoção e a arte. Surgiu o termo “estética” para designar o universo dos sentidos em oposição ao universo da razão. Tentava-se explicar o papel que as emoções desempenhavam no pensamento humano. Com Kant, estabeleceu-se a possibilidade do juízo estético, a capacidade de formular um juízo a partir das impressões que determinado objecto provoca sobre os sentidos.

Com a transformação social e os avanços técnicos do século XIX, a relação entre um público mais vasto e as obras de arte modificou-se. Ultrapassou-se a tentativa de reproduzir uma realidade objectiva ou de captar um momento. A arte afastou-se do artesanato e, já no sec. XX, com o modernismo, perseguiu-se uma reformulação do sentido da arte, do fundamento estético. Passou-se a questionar o objecto artístico e a própria práctica artística. Assistiram-se ao surgimento do abstractionismo, do surrealismo, do expressionismo, etc. Mais do que uma estética, começaram a existir várias correntes estéticas.

Com a Arte Conceptual, a partir da segunda metade do século XX, as ideias ou os conceitos tomam preferência perante os aspectos estéticos, as técnicas ou os materiais utilizados. Esta corrente artística interroga a verdadeira essência da arte, privilegiando a ideia, o conceito, que se torna o aspecto mais importante da obra de arte. Ao afastar-se dos objectos artísticos convencionais, nomeadamente daquelas obras onde a habilidade manual ou a técnica eram fulcrais, este novo tipo de arte enfatizou o aspecto artístico em detrimento do artefacto. Muitas vezes, apenas temos conhecimento acerca de obras de arte conceptual através de registos documentais, fotografias, textos, etc. Outras vezes, as obras conceptuais reduzem-se a um conjunto de instruções escritas que descrevem a própria obra.

Susan Hiller (1940-2019) foi uma artista nascida nos Estados Unidos da América que se mudou para Londres na década de setenta, onde desenvolveu este tipo de aproximação conceptual. A sua práctica artística incluiu instalações, vídeo, fotografia e escrita. Normalmente, as obras de Hiller tinham como ponto de partida aquilo que ela denominou por “artefactos culturais”. Embora estes artefactos assumissem diversas formas, a artista costumava recuperar ideias e objectos esquecidos ou abandonados.

É o caso da obra Monumento (no original denominada Monument 1980-1) que Susan Hiller apresentou na Tate Gallery, em Inglaterra, no início da década de oitenta. Esta instalação era composta por vários elementos: um banco de jardim, com as costas voltadas para uma parede onde estavam expostas 41 fotografias, e, sobre o banco, um walkman com headphones.

O conjunto das fotografias estava organizado em forma de diamante na parede da galeria. Elas registavam placas memoriais acerca de pessoas comuns que morreram ao practicar actos heroicos. As placas fotografadas, um conjunto cerâmico da época victoriana, encontram-se no Postman’s Park, perto da Catedral de S.Paulo, em Londres. Cada fotografia, à escala real, retratava uma placa alusiva a um ano diferente. Nelas podiamos ler, por exemplo, “Elizabeth Boxall / Aged 17 of Bethnal Green / Who Died of Injuries Received / In Trying To Save / A Child / From a Runaway Horse / June 20 1888”, ou então, noutro exemplo, “THOMAS GRIFFIN / FILTERS LABOREUR / APRIL-12-1899 / IN A / BOILLER EXPLOSION AT A / BATTERSEA SUGAR REFINERY / WAS FATALLY SCALDED IN / RETURNING TO SEARCH / FOR HIS MATE”.

Os visitantes eram convidados a sentarem-se no banco e a colocar os headphones para ouvir a voz da artista, em meditações acerca da morte e da memória. Ela fazia perguntas como “Os mortos falam connosco?”, e propunha “considerar a vida após a morte como uma segunda vida em que entramos através de um retrato, ou uma inscrição, e na qual permanecemos mais tempo do que na nossa vida actual.” O Monumento questionava as relações entre o heroísmo e a morte, entre memória e representação. Para Hiller, distinguiam-se dois tipos de existência: os anos de vida, no corpo, e a duração da nossa representação, como os textos comemorativos nas placas. Em cada uma das placas, embora as pessoas tenham morrido, a sua representação continua a existir, enquanto as próprias inscrições persistirem.

O Monumento, tal como a maioria das obras de Hiller, envolvia a participação directa da audiência. Era realçada a fronteira entre a experiência pública e a experiência privada. O título da obra, Monumento, referia um tipo de arte bastante pública e colectiva. Por outro lado, era a artista, ao ser escutada pelos headphones, quem orientava para o facto de, enquanto sentado no banco de jardim, o sujeito passar a fazer parte da instalação, passar a ser alvo da apreciação colectiva. Embora os elementos visuais, as fotografias, fossem apreciados de forma colectiva, de forma pública, a voz de Hiller apenas podia ser escutada, através dos headfones, por um único indivíduo de cada vez, criando uma relação singular entre a artista e o ouvinte.

Na arte conceptual, existe um apelo ao entendimento, ao jogo lúdico entre o artista, a obra e o observador. O espectador passa a fazer parte do próprio processo criativo. De artefactos, as obras passam a ser experiências. Conjugam-se objectos diferentes, suportes diversos, vários meios para chegar ao espectador. Não poucas vezes reflectem sobre assuntos pertinentes: o artista assume papeis sociais, chamando a atenção e convidando à reflexão para problemas da comunidade. Outras vezes, as obras extravasam os limites tradicionais: questionam-se os palcos de exposição e as obras são amiúde apresentados fora dos contextos habituais do mercado de arte. De galeria e dos museus, assistimos a instalações nos locais mais insólitos.

Neste novo universo artístico, onde se fundamenta o princípio estético? O que transforma um objecto numa obra de arte? Talvez seja o mundo da arte quem valoriza a obra que o artista propõe. Talvez seja a aceitação de uma proposta artística, e consequente valorização, aquilo que estabelece a sua permanência no que chamamos mundo da arte. Independentemente de suas qualidades estéticas, dos materiais e suportes, da existência ou inexistência de mensagens, das correntes afiliadas. Um artefacto, proposto por uma agente artístico, para apreciação pelo mundo da arte, eleva-se à categoria de obra de arte. Será este mundo da arte, o mercado de arte, quem lhe conferirá valor? Será este mundo da arte, quem estabelecerá a sua permanência para o futuro dentro do mesmo mercado? Teríamos assim a intenção do próprio agente artístico como o factor que estabelece a diferença entre um objecto comum e o artefacto artístico.


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