Chamam-se romances as línguas que tiveram por base o latim vulgar. O latim vulgar era o latim falado no Império Romano, diferente do latim escrito. No primeiro século da nossa era, o latim vulgar era um sistema linguístico unitário em que todos os falantes tinham consciência de utilizar a mesma língua. Ao longo dos séculos seguintes, esta unidade foi desaparecendo. O latim vulgar foi perdendo a sua uniformidade linguística, até deixar de ser um sistema unitário e dividir-se em línguas autónomas, os romances. As invasões bárbaras e a quebra do sistema educativo romano no século V marcam o fim do latim vulgar.
“O latim vulgar evoluiu no tempo, sendo claramente diferente o que se falava no século I d.C. do falado no século V. No latim vulgar existiam variações regionais e, dentro destas, é preciso ter em conta a época em que se produziam.” (CASTRO 88-89)
A evolução do latim está relacionada com os dados históricos, geográficos, culturais, sociais e económicos. O latim vulgar diversificou-se ao longo dos tempos, mas também era diferente consoante o grupo social que o utilizava, de acordo com o seu grau de cultura ou a proveniência regional dos falantes. O latim que romanizou as províncias do império não foi o latim das cidades. Os colonos partiram das áreas rurais de Itália e falavam um latim menos culto. Por outro lado, existiam diferenças regionais: o latim que era falado na Lusitânia era diferente daquele que se falava na Germânia ou no Norte de África. Quando terminou a força unificadora de Roma, as diferenças linguísticas das regiões evoluíram de forma distinta durante os primeiros séculos da Idade Média. Algumas destas unidades do latim vieram a constituir-se como línguas nacionais.
Os romanos estabeleceram duas grandes regiões na Península Ibérica: a Hispânia Ulterior (Sul e Oeste) e a Hispânia Citerior (Norte e Leste). A Ulterior veio a ser ocupada por duas províncias, a Lusitânia e a Bética, ficando a Citerior ocupada pela província Terraconense. Na Bética, isolada e culta, falava-se um latim mais conservador, mais purista, enquanto na Terraconense, a língua seria mais descuidada e propensa a incorporar neologismos, estrangeirismos, etc.
O grupo de substractos pré-indo-europeu, penetrou na Península quer pelo norte, através dos Pirinéus, quer pelo sul, através do Mediterrâneo. Consistiu em substractos Proto-basco, Ibérico, Tartéssico e Fenício. Quanto aos substractos indo-europeus, aqueles que exerceram maior influência foram os Celtas. Por outro lado, a Península sofreu a interferência de superstratos por parte dos Suevos e dos Visigodos que se implantaram em território Ibérico a partir do século V. Mas foi muito reduzido o contributo que os romances peninsulares receberam destas línguas. Quando os árabes chegaram à Península Ibérica, esta estava “dividida em dois romances, um setentrional e um meridional, ainda que no plano político fosse um estado único (visigodo).”
(CASTRO 163)
No séc. VIII os muçulmanos ocupavam todo o Centro e Sul da Península, a que chamaram Al-Andaluz. Nesta região coexistiam de forma pacífica cinco grupos sociais: os baladiyym (árabes), os mouros (berberes), os muwalladim (convertidos ao islamismo), os judeus (comunidade judaica) e os moçárabes (cristãos submetidos). Durante o período de ocupação, o árabe conviveu com um estrato linguístico de origem latina: o romance moçárabe. O moçárabe era uma continuação do romance visigótico, um descendente directo do latim. Ele era mais conservador que os romances do norte da Península.
Os moçárabes seriam a população cristã que vivia sob domínio árabe, mas que preservaram a sua identidade cultural, ou seja, mantiveram os seus costumes e tradições cristãs. O moçárabe, ou romance moçarábico, era a língua falada pelos habitantes na região ocupada pelos árabes. A sua língua convivia pacificamente com a língua da cultura, o árabe. O moçárabe era essencialmente uma língua doméstica, falada em ambiente familiar, enquanto o árabe lhe fornecia novo léxico. Na realidade, a influência do árabe materializou-se sobretudo num contributo lexical. O moçárabe foi enriquecido com imensos termos árabes, como por exemplo referentes à guerra e administração (almirante, alferes, alfândega, etc.), ligados à ciência (algarismo, azimute, etc.), ligados à agricultura (azenha, nora, etc.), outros ligados à arquitectura (alpendre, azulejo, aldeia, etc.), e tantos outros mais. É também o caso da toponímia portuguesa que apresenta uma feição árabe: como nos topónimos iniciados por AL- (Alfama, Almada, Algarve, etc.) ou daqueles iniciados por ODE- (Odemira, Odivelas, etc.). No entanto, embora tenham assimilado significativamente novas formas lexicais, as línguas românicas da península não foram modificadas profundamente pelo superstrato árabe. Posteriormente, o moçárabe foi submergido “pelas línguas dominantes nos seus antigos territórios.” (CASTRO 77)
Durante a ocupação muçulmana, subsistiu no Norte da Península Ibérica
um reduto cristão dividido em cinco reinos: Galiza e Portugal, Astúrias e Leão,
Castela, Navarra e Aragão, e Catalunha. A estes reinos correspondiam cinco
romances diferentes: o Galego-Português, o Astúrio-Leonês, o Castelhano, o
Navarro-Aragonês, e o Catalão. Foi com origem neste reduto que se deu o
movimento de reconquista da península, entre os séculos VIII e XV
No início do século X, a Galécia Magna era a região do extremo noroeste da Península Ibérica. Esta região englobava o território que se estendia da Galiza até Aveiro, fazendo fronteira a Sul com o reino muçulmano e a Leste com as Astúrias. Incluía o Condado de Portucale, que se situava entre o rio Lima e o vale do Douro. No início do século XI, o território de Coimbra foi reunido ao de Portucale. Depois, o condado portucalense foi separado da Galiza e entregue a D. Henrique. O seu filho, D. Afonso Henriques, intitulou-se Rei com a assinatura do Tratado de Zamora em 1143. Lisboa e Santarém foram conquistadas em 1147. A independência do Reino de Portugal foi reconhecida pelo papa Alexandre III em 1179. Para Portugal, o fim da reconquista cristã deu-se com a tomada de Faro em 1249, altura em que ficaram delineadas as fronteiras de Portugal.
O sistema linguístico denominado galego-português fora formado a partir do latim local a que se juntaram outros elementos, como sejam “as línguas faladas no NW antes da chegada dos romanos (…) e as línguas faladas por povos que, entre a queda do Império Romano (séc. V) e o aparecimento dos estados cristãos (séc X), passaram ou se instalaram nesta região da Península.” (CASTRO 67) Após a invasão muçulmana, o romance galego-português acompanhou o movimento descendente da reconquista, até ocupar todo o território do Reino de Portugal. À medida que as novas fronteiras se foram sucessivamente implantando a sul, os colonizadores vindos do norte repovoaram os novos territórios conquistados, impondo o seu dialecto.
Durante a formação do Reino de Portugal e anos subsequentes, os documentos da corte foram redigidos num latim simplificado, próximo do latim falado. É o caso dos documentos do Condado Portucalense e do Reino de Afonso Henriques. Em meados do século XIII, surgiram os primeiros documentos escritos em português antigo, como sejam o Testamento de D. Afonso II (em 1214), ou a Notícia de Torto (datado de 1214-16), entre outros. Mas foi a partir de 1279 que a corte de D. Dinis passou a utilizar de forma sistemática o português como língua dos documentos oficiais. O surgimento destes textos escritos assinala o início do português antigo, com o seu término a ser marcado pelo afastamento do galego, por volta dos finais do século XIV ou início do século XV.
Assim, durante o período compreendido entre os séculos IX e XV, denominado «ciclo de formação da língua», observou-se que o galego-português acompanhou a reconquista cristã, de norte para sul. Este romance estabeleceu-se em todo o território nacional até ao século XII, quando da formação do reino de Portugal. Entre os séculos XII e XIII, o português antigo começou a surgir na forma escrita, para finalmente se afastar do galego a partir do final do séc. XIV ou início do século XV. Deste modo, deu-se por completo o ciclo da formação da língua portuguesa.
Bibliografia:
- Castro, Ivo. Curso de História da Língua Portuguesa. Lisboa: Universidade
Aberta, 1991
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